Tainã Bispo
2 min readMay 12, 2020

Hoje é dia dela. E também meu. As nossas histórias se cruzam desde sempre num lugar de respeito, amor, amizade — uma parceria que é só nossa e que guardamos em silêncio, numa tentativa de não gastá-la à toa. É por causa do incentivo e suporte dela que eu também sou mãe, mas não apenas. Sem ela, a maternidade me consumiria como consome tantas mulheres mundo afora. E esse é um dos meus privilégios.

Eu aprendi muito com ela. Não só por ser sua filha. Mas por ter sido minha professora de História no fundamental, provocando, em mim e em meus colegas filhinhos de papai da escola onde era bolsista, um olhar para além dos muros do colégio particular. Era por ela, também, que tínhamos a assinatura de dois jornais em casa — algo pouco habitual num lar de classe média da periferia de São Paulo. “O Estadão, esse jornal conservador, é do seu pai. Eu leio a Folha, bem mais progressista”, dizia. E foi nas folhas da Folha que eu me formei e decidi ser jornalista.

Criança, ela ousou me dizer uma palavra que me atravessa até hoje. Um dia, minha avó paterna, nordestina boa de briga, me disse que decidiu ter apenas dois filhos e assim o fez. “Se vinha algum outro, eu fazia uma curetagem e tava tudo resolvido”, me contou. Eu percebi que algo me escapava naquela frase e recorri a minha mãe. “Ela abortou os outros”, me disse, sem diminuir, em seu tom de voz, a responsabilidade das implicações daquela informação. Eu tinha menos de dez anos e agradeci por ser neta e filha de quem sou.

Ela fez sua carreira como educadora, criou três filhos e, neste momento de pandemia, invertemos os papéis: ela é a pessoa mais informada da casa. Passa o dia com o fone de ouvido, andando para lá e para cá, e antecipa os “furos” para a família.

Quando estamos com problemas, eu e meus irmãos pedimos a ela para acender suas velas. Não acredito no Deus que ela crê. Mas acredito no amor que ela sente por nós. E não há nada mais precioso. Nos últimos dias, ela tem acendido muitas velas. Dessa vez, não são para nós, privilegiados que podem fazer quarentena. Mas para os milhares que morrem sob o escárnio e a necropolítica de Bolsonaros e Reginas Duartes.

Para meu pai, ela é a Flor. Para o Cauê, é a rainha polinizadora. Para mim e para o Rafa, é mãe. Para o Caetano é vó e para o João, é vovó.

Izis, te amo demais.

Tainã Bispo

Jornalista, ghost writer e editora de livros. Fundadora da Editora Claraboia