Tainã Bispo
2 min readApr 18, 2020

Eu a conheci num dos dias mais felizes na minha vida. Quando entrei, encolhida, no prédio da PUC para fazer a matrícula no curso de jornalismo, foi ela que se aproximou para me pintar. Minha veterana usava roupas coloridas e tinha um sorriso solar. São mais de quinze anos que ela está na minha vida contando histórias com detalhes obsessivos e datas precisas. E eu adoro escutá-la.
Ao longo desses anos, nos tornamos íntimas e, depois que perdemos a vivência do dia a dia (trabalhamos por anos, lado a lado), passamos a trocar áudios longuíssimos onde fazemos confidências, reclamamos muito, falamos de livros e de política, fazemos planos, rimos e desejamos um país melhor. E, no fim do dia, emputecidas, percebemos que fomos engolidas, de novo, pela rotina e pela maternidade — temas que se tornam, num ciclo infinito, reflexões de novos podcasts.
Num dia dessa semana, enquanto lavava o banheiro, escutava sua voz, contando sobre a aventura na horta da sua casa em tempos de quarentena. Enquanto gravava o áudio, estava mexendo na terra e ficou eufórica porque o alho que havia plantado vingara. Vibramos juntas.
Enquanto fazia essas cookies com o Caetano e o João, lembrei dela. Lembrei que ela foi em casa num dia perdido de 2019 e fez esta receita com o Cae e com o Chico, seu filho. Foi uma noite de brincadeiras, açúcar, música com Gabs e Carol. Jantamos cookies.
Numa linha do tempo desordenada, lembrei que assistimos nossas barrigas cresceram. Da nossa falação sobre tudo e de quanto gostamos de comer. Da sua erudição e do seu encantamento pela vida.
Tudo isso me fez lembrar desse dia primeiro, em que eu a encontrei no corredor da PUC. Um dia num passado onde o futuro parecia muito diferente. Não só porque tínhamos vinte e poucos anos, o celular praticamente não existia (e, consequentemente, nem essa merda de fake news), não tínhamos filhos nem aluguel para pagar. Mas, também, porque políticas públicas como o Bolsa Família e cotas nas universidades estavam sendo implementadas. Mesmo com todos os erros cometidos (que não foram poucos), havia um projeto em curso para um país menos desigual. Naquela época, nunca nos passou pela cabeça que viveríamos um futuro tão truculento, tão fora de contexto, tão absurdo… tão aparentemente sem saída.
Ana Maria Straube, querida, que a gente se encontre em breve para fazer cookies. Te amo.

Tainã Bispo

Jornalista, ghost writer e editora de livros. Fundadora da Editora Claraboia