#comracismonãohádemocracia

Tainã Bispo
2 min readJan 22, 2021

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Naquele fatídico domingo, em que um cadetizinho ressentido e com graves limitações de raciocínio ganhou a urna (uma urna forjada em mentiras e robôs virtuais), muitos de nós choramos, pois sabíamos que o futuro seria triste. E, infelizmente, estávamos completamente corretos. O noticiário político atual maltrata, assusta, deprime. Mas não surpreende. Ele não precisava ter subido a rampa do planalto para sabermos que entraria no poder tal qual um câncer raivoso que destrói tudo o que não é espelho, que corrói por dentro nossa democracia frágil e ineficiente.
Ao mesmo tempo, agora, com um distanciamento mínimo e outras leituras e influências, percebo que era inevitável ele ter ganhado. Fico com a sensação (e posso estar equivocada) que a exceção foram esses míseros 30 anos de respiro que tivemos.
O projeto de Brasil continua sendo esse que vemos hoje escancarado por todos os lados, planejado por homens brancos engravatados e acompanhados de um copo de leite: um projeto branco, de sinhorzinhos e sinhás. Um projeto onde o colonizador faz as regras desse jogo chamado país, ao mesmo tempo em que dá as cartas e mata o coringa.
É verdade que demos alguns passos. Mas, no fim das contas, foram 30 anos de uma democracia que foi conivente com o autoritarismo, que fechou os olhos para o genocídio da população negra (a cada 23 minutos, um jovem negro é assassinado neste país), que não enfrentou os mortos políticos da ditadura, que não defendeu as mulheres (somos o quarto país que mais mata mulheres no mundo), não protegeu os indígenas e não faz muito esforço para manter nossas florestas em pé. Uma democracia que passou pano na cabeça de torturador, fez conchavo com os coronéis e se fez de surda quando um deputado diz “só não te estupro porque você não merece”. Neste contexto, a pandemia parece acelerar os lances das cartas e deixar escancarado esse projeto de país-colônia. Um projeto que começou muito antes dessa família de milicianos (des)governar um país que chora seus mais de 44 mil mortos.
Fica absolutamente evidente que não haverá democracia neste país enquanto não enfrentarmos o racismo estrutural e essa elite que insiste em colonizar corpos e terras. Essa é a chave da questão. Assinei o manifestado #comracismonãohádemocracia, organizado pela Coalizão Negra, com a responsabilidade e o comprometimento de me aliar à luta antirracista no dia a dia, enquanto mulher branca e de classe média. É essa a questão que nos funda e pra qual devemos olhar, descortinar e subverter.

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Tainã Bispo

Jornalista, ghost writer e editora de livros. Fundadora da Editora Claraboia